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quinta-feira, 7 de julho de 2016

Primeira parte (em edição)




Prefácio 


          "Então... O que é que vai ser, hã?"... Assim, de maneira quase que despretensiosa, o infame narrador nos inicia a jornada inesquecível e misteriosa, com significados e interpretações jogadas ao vento, em meio aos polêmicos temas denunciados de maneira quase teatral e com ritmo avassalador, e que nos faz sentir levando um murro na face. A violência psicodélica questionadora presentes neste romance regado de intemporalidade, nos faz pensar em qual a real intensão, o real impacto e os reais múltiplos sentidos na jornada de Alex. 
  
          Poderia mesmo a arte ser meramente criada ou apreciada apenas por si só? Arte pela arte...? É um tanto como improvável. Já diria aquele antigo jargão - que um grupo extremamente limitado de usuários da expressão em questão se dá ao luxo de saber seu criador - que a arte imita a vida. Se pode ir um pouco mais longe ao afirmar que a arte imita a realidade que cerca, de alguma forma, o artista. A literatura não é diferente, óbvio. Laranja Mecânica, de Anthony Burgess (as últimas 5 palavras serão repetidas incansavelmente nas próximas páginas... prepare-se, caro leitor) é uma desconstrução pessimista da sociedade, uma obra de ficção baseada em conceitos reais, em ideias que contrapõem situações reais, expondo problemas que o autor enxerga deliberadamente. Mais tarde se é estudado que de fato, há forte impressão autobiográfica de Burgess em seu mais influente e inspirador clássico. 

          Desconstruir a sociedade serve de quê? É fato que, se por um momento, enxergarmos os problemas de fora, como espectadores dotados de incansável senso crítico, tudo parece ser visto com mais sensatez. 

          Aspectos psicológicos também podem ser facilmente identificados no livro em questão, assim como na maioria das grandes obras literárias, que investem em fortes argumentos na construção dos seus personagens (aqui, especificamente o protagonista). 

          Uma obra que gera imensas discussões e interpretações... Uma obra visceral, que choca e se faz memorável, assim como atemporal. Laranja Mecânica sempre deve ser discutido, pelo fato de Laranja Mecânica marcar a vida da grande maioria dos que a degustam. Laranja Mecânica sempre será atual e sempre renderá mais e mais pessoas questionando a própria bondade - ou falta dela -, bem como a própria liberdade de escolhas.


          Em 'A Clockwork Orange', tem-se um mundo enigmático e psicodélico no qual o leitor brilhantemente mergulha, seguindo o estilo descrito e absurdamente bem trabalhada e inusitada linguagem. É, sem dúvidas, o entretenimento perfeito em forma de romance, ao mesmo tempo que serve como poderosa arma de reflexão. 




   
1. Introdução 

          É bastante improvável imaginar que algum leitor que tenha esta grande análise em suas mãos, jamais tenha tido contato direto com a obra aqui analisada. Não é para menos: Laranja Mecânica tornou-se, logo depois de seu lançamento, em 1962, alvo de incansáveis debates, estudos, além de incontáveis influências que gerou para as gerações que seguiram. Resumindo, "A Clockwork Orange" é um clássico gigantesco da cultura pop.

          Ainda que seja improvável a falta de contato direto de você, caro leitor, com o maior e mais frenético sucesso do estudioso Anthony Burgess, a norma manda a inclusão de uma breve sinopse. Aqui, esta serviria basicamente como uma maneira de revisitar de forma breve, a narrativa alegórica protagonizada por Alex. 


Sinopse


          Ambientada no cenário absurdo de uma Londres futurista onde o Estado regula de forma impositora, porém ineficaz, e os bairros são tomados - principalmente durante a noite - por gangues de rua formadas por delinquentes juvenis que pouco preocupam-se com estudos, ou com a rotina, mas sim com o uso frenético de entorpecentes e viciados na adrenalina e euforia causados por todos os seus recorrentes atos de pura inconsequência. O motivo para que isso tudo ocorra? O condicionamento social que ocorre através das tendências... E o prazer. Jovens delinquentes praticam atos de violência gratuita que na maioria das vezes é motivado meramente por prazer.  

          O protagonista, Alex - de sobrenome desconhecido -, é o líder de uma dessas muitas gangues de rua. Alex é um jovem aparentemente bonito, mas que possui um sadismo intimidador. Seus companheiros de arruaça são outros três rapazes, os quais cada um possui uma diferente personalidade: George, Tosko e Pete. O destaque vem para Tosko, o servo bobalhão, desajeitado e bruto - o que motiva a perseguição de Alex - e para George, o rapaz que questiona as ações de Alex, provavelmente por querer tomar o lugar de líder. Pois após o frenético começo da história, após o ritmo da violência demonstrada aos poucos baixar, os conflitos entre os membros da gangue do protagonista começam a ser explorados, até que tudo se encaminha para culminar numa armação dos rapazes, para que Alex seja capturado pela polícia. A prisão do protagonista se deu juntamente de uma tragédia envolvendo este, já que na noite em questão, Alex matou acidentalmente uma mulher. 

          É justamente no período em Alex está encarcerado em que se tem início a principal questão levantada por Laranja Mecânica: A liberdade individual, o livre arbítrio. Paralelo a isso, a trama nos apresenta gradativamente fortes argumentos sobre certo e errado, a superlotação do sistema carcerário, a capacidade de reabilitação, a alienação, a capacidade de reinventar-se, além de diversas outras questões nas entrelinhas. 

          Ainda na prisão, esperando que sua pena fosse retirada, Alex acaba sendo voluntário - mesmo sem saber plenamente de tudo - como cobaia para um novo experimento empreendido pelo Estado, chamado método ludovico, e que consiste na recuperação de criminosos, a fim de condicioná-los através de método pavloviano, para retornar à sociedade sem a capacidade de tornar a praticar violência. Toda a vez que Alex associa qualquer coisa com atos envolvendo qualquer tipo de violência, este passa por uma terrível agonia. Assim, o rapaz não tem mais a capacidade de escolher, por vontade própria, os próprios atos. É então que, após sair da cadeia, tudo o que Alex havia feito no passado começa a se voltar contra ele, violentamente, justo no momento em que o rapaz já não pode mais revidar. A vida dá o troco em Alex...

          Laranja Mecânica é uma incrível desconstrução de valores sociais, que nos faz adentrar profundamente em seu mundo envolvente, absurdo e questionador. Uma das maiores distopias do século XX, e referência na cultura pop e na literatura, a fábula de Burgess tem aspectos incontáveis que influenciaram fortemente as gerações de artistas que se seguiram... Laranja Mecânica é simplesmente atemporal.  


2. O germinar da laranja                                                            
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    (Alexander)

        O livro que por uma aliviante ironia do destino - ou seja, uma reviravolta súbita, da mudança entre azar e sorte - por pouco teve a chance de não ser publicado... Por pouco não ganhou a condição de ser apenas um manuscrito genial empoeirado lido por meia dúzia de pessoas próximas ao autor. Laranja Mecânica acabou por se tornar um dos maiores clássicos utópicos da literatura mundial, e que gerou múltiplos subprodutos, assim como incansáveis debates e estudos de variados graus de embasamento e relevância. 

        Hoje, nós temos a vantagem de vivermos num momento, no século XXI, onde toda a informação é acessível - e assim será, gradativamente evoluindo, a cada geração . Por isso, já nas edições mais simples do mais famoso livro de Anthony Burgess encontram-se extras que os editores caprichosamente incluem, para confortar ainda mais o leitor assíduo. Até mesmo as edições brasileiras de Laranja Mecânica fazem justamente isso, ao trazer, além do glossário nadsat - assunto que deixaremos para futura abordagem, por enquanto - e de boa introdução conceitual, trazem também a maluca história do autor britânico, que foi vítima de um grave engano médico: um falso diagnóstico que apontava o escritor com apenas 2 anos restantes de vida. O que um escritor humilde e determinado à deixar sua família confortável após sua eventual morte faria? Burgess resolveu escrever o máximo de livros possível, a fim de que os direitos autorais servissem de renda para a sua esposa. Dentre estes muitos escritos, encontrou-se o décimo oitavo livro do autor: A Clockwork Orange (Laranja Mecânica).

         O veredito do médico foi, felizmente, falso. Tudo não passava de um mero e incompetente engano. Se Anthony tivesse mesmo falecido, conforme o prazo estipulado pelo seu médico da época, é provável, que a distopia que nos é apresentada por Alex DeLarge, jamais tivesse sido sequer finalizada.

Montagem do mecanismo

          O escritor, crítico artístico, dramaturgo e compositor inglês, John Anthony¹ Burgess Wilson, nasceu em Manchester, no dia 23 de novembro de 1917. Tem suas origens em uma família intimamente ligada com a arte: Sua mãe, Elizabeth Burgess, que faleceu vítima da gripe espanhola em 1918, era cantora e bailarina. O irmã mais velha de Anthony (na época, apenas um bebê chamado John), Muriel falecera do mesmo mal que a mãe, e apenas quatro dias antes de sua progenitora. O pai, Joseph Wilson, era pianista em sessões de cinema mudo e teatros da região londrina.    

           John Anthony Burgess tinha tudo conspirando para seguir o caminho das artes. Foi justamente o caminho escolhido pelo ainda jovem Burgess -  óbvio... nem era preciso comentar, já que se não fosse o caso, não teríamos o legado do autor -, ao compor sua primeira sinfonia com apenas 18 anos. O eruditismo e o amplo conhecimento musical foram fatores que seriam explorados futuramente nos escritos de Anthony. Em Laranja Mecânica, o domínio e a admiração (ou fixação) pela música erudita é nítido e bastante exaltado. O aspecto musical é de suma importância tanto no romance mais aclamado do autor, quanto nas adaptações que futuramente foram sendo geradas.

           A relação regada de intimidade e criatividade de Anthony Burgess com a linguagem também é algo fundamental de ser pontuado sempre que se for analisar suas obras. Laranja Mecânica é, especialmente o ápice da experimentação da linguagem. O autor cria uma espécie de "novo idioma", o qual denomina "nadsat", que é usado por todos os jovens corrompidos durante o livro. Não é para menos: Burgess estudou ferrenhamente diversos tipos de linguagem, além do fato de essa ser uma de suas formações. A linguagem desta obra é tão complexa que merece um capítulo específico para tratar de suas abrangentes e minuciosas abordagens. 

          O fato de Laranja Mecânica ter os seus capítulos divididos em três atos que delineiam os períodos de transição que fundamentam a narrativa, também se deve ao lado do escritor que é ligado diretamente com a dramaturgia. Mais tarde, inclusive, este produziria um espetáculo musical adaptando a marcante trajetória de Alex.             


                     


         
           
N.E: 1 - "Anthony" foi seu nome de acréscimo na Confirmação Católica (a famosa Crisma).